O Problema dos Atiradores do League of Legends em 2020/2021

Igor "Rasemifrag" Ramos
8 min readJan 8, 2021

O ano de 2020, e em específico a pré-temporada 2021, se fez notável para a bot lane de League of Legends pelo decaimento de importância dos atiradores do nosso jogo favorito. Onde antes era necessário um ADC para garantir objetivos, o ano foi repleto de METAs curiosos com magos e tanks em todas as rotas e roleplays da bot lane (cof cof Lux e Sona cof cof Garen e Yuumi cof cof).

Mas por que será que os ADC ficaram tão fracos? Ou melhor, será que eles ficaram fracos?

Respondendo a pergunta!

Não, os ADC não estão mais fracos. O que vêm acontecendo com os atiradores é apenas reflexo de como o jogo vêm se transformando ao longo desses 10 anos de existência.

Antigamente, há 9 anos atrás, League of Legends era um jogo mais simples. Poucos campeões, complexidade baixa, mecânica fácil. Os personagens eram mais truncados, habilidades de mobilidade eram absurdamente raras.

Hoje, início de 2021, é raro um personagem não ter nenhum tipo de mobilidade extra, invisibilidade ou invulnerabilidade. O jogo se tornou rápido e os reflexos precisam estar em dia. Onde antes você tinha espaço para errar mais, hoje você é altamente punido por pequenos erros.

E a bomba estoura justamente no colo dos atiradores. Os ADC sempre foram causadores de dano extremamente frágeis (também conhecidos pelo termo Canhão de Vidro), dependendo de bons posicionamentos e um pouquinho de proteção para distribuir seu dano no inimigo. Um passo em falso, e eles se quebram.

Junte o fato de que o jogo se abarrotou de personagens com muita mobilidade, com uma crescente onda de popularidade de campeões assassinos, e pronto, você acabou de transformar a vida de um atirador num inferno. Onde antes você podia se posicionar de maneira meio torta e no máximo perder meia vida, hoje, mesmo se posicionando perfeitamente bem, é provável que um inimigo pule uma parede em cima de você, atravesse a parede em cima de você, teletransporte em você, chegue invisível em você, dashe em você… Hoje, um passo em falso e o atirador volta pra casa de tela cinza.

E essa onda de opressão aos atiradores tornou extremamente fácil perceber que o atirador do seu time não está impactando tanto o jogo quanto poderia ou deveria. O tank do seu time está 0/5/2 e ainda consegue desempenhar suas funções com mais facilidade que o ADC estando 1/4/1. E isso cria a impressão de que os ADC, geralmente, estão inúteis.

Mas isso não quer dizer que os ADC estão mais fracos! Pelo contrário! Estão fortíssimos, porém, muito mais difíceis jogar com eles. Um exemplo que vale a pena citar é esse:

Uma Ashe e um Darius derrubaram a torre do time vermelho e foram pro inibidor. Começaram a bater. Então, uma Leona, um Lucian e um Udyr se aproximam para defender, e startam com a Leona ultando o Darius de uma longa distância.

Quando eles alcançam o Darius, a Ashe recua. É então que o Darius grita pra Ashe ajudar e bater. A Ashe recua ainda mais. O Darius então sai do controle de grupo da Leona, usa seu Dizimar (Q) que o cura um pouco, gasta seu Flash e foge pela selva com 10% de vida. Irritado, ele grita com a Ashe no chat, perguntando “Porque você não atacou? Era só dar auto-ataque! Faz alguma coisa, ADC inútil!

Pois então… Ao olhar com calma novamente, é possível perceber o que realmente acontece… No momento que os inimigos alcançam o Darius, esse é o alcance da habilidade Lâmina Zênite (E) da Leona (3000 de alcance):

Agora, em azul, o alcance do ataque básico da Ashe (600 de alcance):

A única forma da Ashe conseguir dar um ataque básico em qualquer um dos inimigos, ou até mesmo no inibidor, é andando até o ponto marcado… Dentro do alcance da Leona:

Sabendo disso, não precisa muito para perceber o que aconteceria com a Ashe caso voltasse para atacar, não é mesmo? O posicionamento do Lucian já indica que o objetivo deles era virar tudo na Ashe assim que ela entrasse no alcance da Leona, afinal, se o objetivo dele fosse atacar apenas o Darius, ele ficaria posicionado atrás do Udyr. Mas a Leona, por mais que estivesse segurando o Darius, estava de olho lá na frente, na pobre Ashe.

Agora, fica o questionamento… O Darius, após tudo isso, perdeu um feitiço e saiu vivo com 10% de vida. Se, por acaso, essa Lâmina Zênite (E) alcança a Ashe e ela é engajada, ela sairia viva?

A Matemática explica muita coisa!

Analisando os gráficos disponíveis pela API da Riot no League of Graphs e no OPGG, é possível acompanhar a participação dos jogadores ao redor do mundo nos abates, objetivos, vitórias e distribuição de recurso. Um detalhe muito curioso chama atenção…

Nos elos baixos, do Ferro ao Platina (assustadores 97% dos jogadores do server BR), os atiradores são os personagens que menos impactam o jogo, tendo uma participação baixíssima na vitória do time. Embora ainda causem muito dano, possuem na média o maior tempo morto na equipe e a menor média de participação em objetivos da equipe.

Já nos elos altos, do Diamante ao Desafiante (apenas 3% dos jogadores), a situação se inverte. Atiradores não possuem a maior média de dano, mas possuem uma das maiores participações em objetivos e vitórias do jogo.

Esse fenômeno reflete de maneira bem evidente a situação dos atiradores. Eles não estão mais fracos. A dinâmica de jogo é que tem exigido mais dos jogadores nesta posição. Para o jogador de habilidade mediana (os jogadores de elo baixo), jogar de ADC se tornou mais difícil pelo grau de complexidade que se tornou jogar na posição. Isso reflete na atuação do jogador, e se torna perceptível ao resto do time que seu atirador não está fazendo diferença na partida.

E isso tudo leva a grande maioria (97% dos jogadores) a pensar que: “ADCs estão fracos!

Analisando os replays e estatísticas das partidas de dois grupos aleatórios de jogadores, um grupo elo baixo e um grupo elo alto, com uma grande variedade de campeões, alguns detalhes se fizeram notáveis.

A primeira característica que chamou atenção é na escolha de Runas. Os ADCs do grupo de elo baixo fizeram escolhas de runas extremamente agressivas, com foco em Precisão e Feitiçaria ou Precisão e Dominação. A runa primária Pressione o Ataque foi, de longe, a runa mais escolhida na média de partidas. Já entre os ADCs do grupo de elo alto, chama atenção a escolha por runas mais defensivas, tendo preferência quase unanime para a combinação de Precisão e Inspiração. As runas primárias de Agilidade nos Pés e Pressione o Ataque tiveram um certo aparecimento maior que as demais.

Essa diferença de escolha nas runas dos atiradores entre o grupo de elo baixo e elo alto cria o primeiro questionamento na nossa cabeça. É possível que o pensamento único e exclusivo em causar dano esteja na verdade causando a morte do próprio atirador? Na dinâmica atual de jogo, eu acredito que sim.

A segunda característica que saltou aos olhos foi a itemização escolhida pelos jogadores. E o efeito foi parecido com o das runas. Enquanto os ADCs do elo baixo fizeram escolhas por builds extremamente agressivas, tendo apenas um em cada dez tendo feito algum item defensivo, a situação no elo alto foi justamente a oposta, pouquíssimos não tinham itens defensivos.

No elo alto foi percebido que itens defensivos como Cimitarra Mercurial, Mandíbula de Malmortius, e até botas como Botas Galvanizadas de Aço e Passos de Mercúrio, foram itens que apareceram entre os atiradores com certa frequência. Já nos elos baixos, a escolha quase unânime foi apenas o Anjo Guardião, enquanto de bota a Grevas do Berserker também foi quase unanime.

Outra escolha quase unanime de item entre os elos mais baixos foi o item mítico Mata-Cráquens… Escolhido na maioria esmagadora de partidas, é um item exclusivamente ofensivo e que aumenta a ofensividade de todo o restante da build, adicionando velocidade de ataque aos demais itens lendários. Já nos jogadores de elo alto foi notado uma distribuição bem similar de escolhas entre Mata-Cráquens, Força do Vendaval e Arco-Escudo Imortal, sendo esse terceiro um item com propriedades bastante defensivas e um salva-vidas bem poderoso.

Novamente, essa escolha de itemização super agressiva mostra que os jogadores do elo baixo se preocupam mais em atacar do que em permanecerem vivos. E isso tem feito com que eles se exponham mais, morram mais rápido, não participem de objetivos e não consigam se impor no jogo com a mesma frequência e facilidade quanto há duas, ou até três temporadas atrás.

Já nos elos mais altos, onde o nível de habilidade é maior, os atiradores conseguiram se adaptar para jogar o jogo ágil, se mantendo vivos e distribuindo dano, conseguindo participar de todos os pontos-chave do jogo e sendo referência em participação nas vitórias.

O que concluir disso?

Os ADCs não estão enfraquecidos, a dinâmica de jogo que está diferente, o que tornou o jogo mais ágil e punitivo à erros. A fragilidade dos ADCs somado ao nível de habilidade da maior parte dos jogadores, que ainda comete muitos erros durante os jogos, é que implanta na cabeça a sensação de que os ADCs se tornaram inúteis. Isso causa uma frustração bem grande aos jogadores da posição, inclusive entre alguns profissionais.

Analisando as diferenças entre partidas low elo (97% dos jogadores) e high elo (3% dos jogadores) percebemos que essas diferenças de habilidade causam uma variação absurda na participação de vitória do time, e consequentemente, na ideia da maioria dos jogadores de que os ADCs estão mais fracos.

ADCs não estão mais fracos. Apenas mais difíceis de se jogar.

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Igor "Rasemifrag" Ramos

Professor de matemática e física, entusiasta de cinema, jogador e analista de League of Legends! Por que não juntar tudo isso numa coisa em uma só?